A história de José é uma de minhas preferidas. Ela tem ingredientes humanos e divinos que fazem com que essa preferência não seja exclusividade minha: muitos cristãos se identificam com José. Talvez, principalmente, porque José, como os cristãos de forma geral, têm um desejo comum: o desejo de fazer a coisa certa. E uma dificuldade comum também: nem sempre (ou quase nunca?) fazer a coisa certa significa se sair bem.
Não é que José não tivesse defeitos. O Antigo Testamento não poupa nenhum detalhe sórdido de seus personagens. Mas no capítulo 38 e 39 encontramos um paralelo surpreendente. Dois irmãos - Judá e José - criados por um mesmo pai, com a mesma educação, princípios e religião, comportam-se de forma completamente aversa. Enquanto Judá é descrito como um homem que cedia facilmente aos seus impulsos sexuais, e por causa disso trouxe grande complicação pra sua vida, José é focado num episódio em que resiste bravamente ao forte apelo físico da mulher de Potifar. "Tá", alguém dirá, "mas ele também se complicou bastante por causa disso. Deixou de ser o mais importante de uma casa rica, para ir morar num calabouço".
De fato. Quando José contava ao pai sobre o mau comportamente dos irmãos, ele não queria prejudicá-los, apenas fazer a coisa certa. Quando falava aos irmãos de seus estranhos sonhos, não queria humilhá-los, apenas achava que contar era a fazer a coisa certa. Quando correspondia ao amor de seu pai ou a confiança de Potifar, não o fazia com intenções escusas, fazia isso apenas porque isso era fazer a coisa certa. No entanto José foi machucado, vendido, ofendido e humilhado. Se tanto bons como maus atos implicam em finais trágicos, por que, então fazer o bem?
A curiosa resposta vem de uma análise mais detida da história. Mesmo odiado pelos irmãos, José foi abençoado porque sua vida foi poupada. Mesmo sendo vendido como escravo, José foi abençoado por ir parar numa casa boa, onde poderia crescer e através de seus talentos conquistar uma vida digna. Mesmo injustiçado por aquela mulher, e jogado na cárcere, José foi abençoado e conquistou o respeito e confiançado carcereiro, o que lhe permitiu uma qualidade de vida superior aos demais presos. E mais tarde, pelo mesmo motivo, sair dali e ser apresentado ao rei.
Há quem explique as coisas assim: José tinha de ser vendido para poder vir a conhecer o rei e se tornar o governador do Egito. Eu não sei se isso TINHA que acontecer, mas sei que, qualquer fosse o caminho que José trilhasse, Deus o conduziria ao melhor lugar que ele poderia estar. É nesse sentido que aqueles que preferem a justiça, o bem, o certo, estão predestinados para a salvação. Mesmo os seus problemas, suas complicações, suas aparentes derrotas, tornam-se em canais de bênção que os fazem vitoriosos no final. O livre arbítro que Deus pôs em nossas mãos nos permite escolher qualquer destino, mas somente quando nos dispomos a fazer a Sua vontade, é que qualquer destino vira uma bênção. Nada TEM que acontecer, mas se acontece, contribui de alguma forma para o bem daqueles que amam a Deus. Por dois motivos: porque já não agimos conforme nossa inclinação, a qual nos leva sempre para baixo, e porque, independente de qualquer coisa que façamos, Deus age junto conosco, endireitando nossas veredas.
Acho que José foi mais feliz que alguns cristãos porque, mesmo em meio a tantos perigos e ameaças, ele consegiu ver bênçãos palpáveis acontecendo ao seu redor e lhe beneficiando. Mas aqui precisamos aclarar também o nosso conceito de bênção. Bênção é uma bênção, não importa o que eu ache sobre isso, ou se ela beneficia imediata e diretamente a mim.
Por exemplo: não somos abençoados PARA fazer o bem, mas POR fazer o bem. Fazer o bem é uma bênção em si: o próprio desejo de fazê-lo não é mérito nosso, mas fruto de um bênção divina. Aí não adianta ficar esperando pra ver o que acontece depois: "Fiz algo bom e agora vamos ver com o quê Deus vai me premiar". O Prêmio já foi dado: Deus lhe concedeu fazer algo bom, quer seja para você quer não. "É o Espírito quem efetua em nós tanto o querer como o realizar". Dessa forma, até desejar ser abençoado já é uma bênção. Pensar em Deus já é uma bênção. Amar o bem e reconhecê-lo já é uma bênção. Nada disso seria possível em nós, a não ser como dádiva celeste.
É certo que Deus está ansioso para nos fazer prosperar como aconteceu com José. Mas a bênção não é algo que vem no final, quando as luzes se acendem, os fogos estouram, os louros coroam, a música exalta, a glória é patente. A bênção está acontecendo agora, enquanto você, no meio da escuridão, sente que alguém lhe fala. A bênção está agindo no fundo do poço, nas algemas da escravidão, na frieza do cárcere. Que lugar a graça de Deus não pode alcançar? No entanto cismamos em não ver a bênção porque nos assusta o tamanho da "provação".
Sabe, a vitória e a prosperidade podem demorar, podem não se fazer palpáveis por muito tempo ainda. Isso não quer dizer que você esteja esquecido. Deus pode lhe abençoar agora mesmo, se você decidir estar ao lado dEle. E mesmo que nada pareça mudar, nem nos fatos nem nos sentimentos, tenha fé que nem tudo que existe se revela no tempo e forma que escolheríamos. Ser abençoado agora é mais importante do que vai acontecer no final. Permita isso e deixe o resto com Deus. Creia e confie. Uma certeza acalentada pode fazer muito mais diferença que uma resposta palpável. Aconteça o que acontecer - e o que não acontecer - a bênção faz de você neste instante um amado filho de Deus.
Que Deus te abençoe.